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sábado, 15 de agosto de 2020

Paterno Amor


Na entrada do asilo,
Um homem robusto, jovem e tranquilo,
Apresentava o pai, um velho que contava
Oitenta e dois janeiros de existência,
À funcionária atenta que o ouvia...

Após sentá-lo num pequeno banco,
Falou à moça em tom seguro e franco:
- “O velho já não sabe o que pensa ou o que diz,
A gritar e a gemer de exigência à exigência,
Formou de minha casa
Um recanto infeliz,
Cujo clima de luta é fogo que me arrasa.

Não quero ver meu filho
Crescendo com o avô inconveniente,
Quero-lhe a internação
De modo permanente.

Quanto custa a pensão?”
A moça respondeu indiferente:
- “A pensão é de quatro mil cruzeiros
A serem pagos mensalmente”.

O senhor fez o cheque
Fazendo o pagamento da quantia
E depois de informar que voltaria,
Foi-se ao pai fatigado, explicando ao velhinho:
- “Meu pai, aqui é a nossa casa de descanso
Terás aqui mais sossego e carinho,
Ao voltarmos da Europa
Virei buscar-te, imediatamente.”

O pranto deslizou sobre a face enrugada
E o velho respondeu em voz tremente:
- “O que será, meu Deus? Que medonho empecilho!...
Estar aqui a sós, sem te encontrar, meu filho!...
E como aguentarei a falta de meu neto?
Não queria afastar-me de meu teto!...
Peço por Deus!... Não te demores
E vem logo buscar-me...”

O filho replicou, quase asperamente:
- “Sem dúvida, meu pai, que podes esperar-me,
Mas não faças alarme...
Nada fará de mim um filho diferente;
Creio que ao fim do mês que vem,
Regressarei como convêm...”

Mas o moço partiu e nunca mais voltou,
E ante a expressão do velho, triste e amarga,
Notava-se que o filho ali se despedira
Como quem se desliga de uma carga,
Agindo alegremente.

O velhinho viveu por lá, três anos,
De saudade, de dor e desenganos
A esperar pelo filho desertor;
A fadiga alterara-lhe a memória,
Não sabia contar a própria história,
Declarava-se um rico possuidor
De terras e fazendas produtivas,
Mas entregara tudo ao filho sem amor.

Numa procuração,
Sem julga-lo capaz de alguma ingratidão,
E embora o filho lhe pagasse o asilo,
Sem questionar o preço,
Não lhe enviava notas de endereço...

Após trinta e seis meses de clausura,
O velhinho ralado de amargura,
Morreu clamando a falta da família...
O cadáver desceu à vala da indigência,
Por fim se lhe acabara a penosa existência.
Mas o tempo não para em parte alguma...

Quarenta anos passados,
De coração batido e passos retardados,
O homem que internara o esquecido velhinho,
Nota que a morte chega a cercar-lhe o caminho,
Poderoso senhor, não consegue expressar-se.

Sob qualquer disfarce,
Tomba, inerte, no leito,
E ante o infortúnio da separação,
Grita por Deus, quer vida e proteção,
Mas a morte o reclama... o corpo se lhe esfria...

Vê-se desencarnado, em noite atroz,
Terrível e sombria...
Chora quase sem voz,
Quando sente que alguém lhe toma o cérebro cansado,
E lhe diz brandamente:
- “Filho do coração, não te aflijas, nem temas,
Acabaram-se agora os teus problemas;
Confia em Deus, não percas a esperança,
Acalma-te e descansa...”

E beijando-lhe os cabelos,
Dedos mostrando carinhosos zelos,
Exclamou com ternura:
- “Agora, sim, achei minha ventura,
Eu sou teu pai!... Meu filho, estou aqui...
Amo-te agora, mais do que te amava,
E só Deus sabe a dor com que eu chorava
Com saudades de ti!”

Autora: Maria Dolores

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